Semana que passou vi pelo Facebook o artigo de um colunista da Folha que causou indignação na maioria dos leitores e a mim também. O teor sugere que o tal jornalista não tem o mínimo conhecimento necessário do trânsito que o cerca. O texto é cheio de preconceitos contra mulheres e velhos ao volante e destila um ódio quase velado pelos ciclistas. É óbvio que, como ele mesmo afirmou, o fato dele não saber andar de bicicleta o leva a rechaçar quem sabe e curte. Mas esse nobre (nobre?) colega de profissão parece que o faz por não ter a mínima noção do que é a ocupação das ruas de qualquer cidade, apesar de sua suposta experiência e vivência.
Não quero aqui levantar a bandeira do transporte ecológico, que não polui, não faz barulho, não consome combustível e traz benefícios à saúde. Apesar de ser um ciclista ativo não gosto de usar a prática para ativismos desacerbados. Mas defendo sim a convivência pacífica entre os que pedalam e os que se acham donos do trânsito.
O jornalista brada em seu artigo que “o ciclista é insidioso, frágil, secreto. Conspira contra o carro: confia no poder das massas –às dezenas, e logo às centenas, conquista a faixa do ônibus, entre os quais se esconde, e conquistará as outras”. Deixando de lado a barbaridade que ele diz, temos de observar que o trânsito é organizado para a convivência segura de vários agentes: carros, motocicletas, pedestres, camihões, coletivos e… ciclistas! Isso mesmo, os ciclistas também tem o direito de fazer uso das ruas, assim como qualquer outro meio de transporte. Está no Código Brasileiro de Trânsito. Texto do CBT valoriza essencialmente a vida, não o fluxo de veículos. Na redação de seus artigos, está uma preocupação, acima de tudo, com a integridade física dos diversos atores do tráfego, sejam eles motoristas, motociclistas, ciclistas ou pedestres. Bicicletas, triciclos, handbikes e outras variações são todos considerados veículos, com direito de circulação pelas ruas e prioridade sobre os automotores.
Ainda pergunto: que direito dá aos carros de dominarem as vias, não permitindo que nenhum outro meio mais possa usá-las?
Precisamos dizer a alguns motoristas, principalmente os que comungam da visão desse retrógrado jornalista, que essa soberania do automóvel na briga pelo espaço nas ruas não existe e nunca existiu. Aliás, foram as bicicletas as primeiras a ocuparem as vias de tráfego ao longa da história e aos poucos foram expulsas pela imponência dos carros, esses sim ameaçadores pela sua potência e massa. E não vejo problema algum que elas estejam voltando, cada vez mais, a ocupar o espaço que sempre foi delas. Se as bicicletas e seu benefício de transporte não fossem tão importantes, não se teriam criado leis para punir os motoristas que as desrespeitam.
As ruas são dos carros, mas igualmente das bicicletas, dos pedestres, dos ônibus, dos caminhões e de qualquer veículo de transporte que tenha ou não motor. Mas é preciso haver respeito de todas as partes. Pedestres não podem achar que, pelo fato de terem ganhado mais importância com a lei das faixas, agora são donos das ruas. Assim como os ciclistas não devem se igualar aos motoboys achando que o corredor é seu território. A gentileza e o cuidado com a vida tem de fazer parte dessa convivência. E quem está ao volante de um carro, principalmente os que admitem serem “barbeiros confessos”, em vez de se sentirem ameaçados pelos ciclistas, deveriam sim é compreender a importância das bikes para a mobilidade de uma capital como São Paulo e nos fazer o favor de não sair por ai colocando em risco a vida das pessoas. Afinal estes sim são uma verdadeira ameaça ao trânsito.