Sempre foi dito que os carros nacionais são verdadeiras carroças. Isso se intensificou com a abertura do mercado automotivo para os automóveis importados, no Governo Collor – o que nos fez ver, realmente, que é possível ter um bom projeto, completo, eficiente e mais barato. As fábricas nacionais se mexeram, começaram a dar uma melhoradinha aqui, outra ali, e hoje (com anos e anos de atraso) é possível encontrar um pouco mais de sofisticação em nossas carroças. Mas muito pouca. E ainda pagamos muito caro por elas – que continuam (um pouco menos) carroças diante de modelos vindos até da China.
Agora, uma matéria publicada no jornal americano The New York Times, coloca ainda mais lenha nessa fogueira e (tomara!) pode chacoalhar novamente as bundas acomodadas das montadoras nacionais. A reportagem intitulada “Carros feitos no Brasil são mortais” deverá se encarregar disso.
A reportagem afirma que os veículos produzidos no País são feitos com soldas mais fracas, poucos itens de segurança e materiais de qualidade bem inferior aos dos americanos e Europeus. E quando esses veículos vão para as ruas, a situação se transforma numa tragédia nacional. Quem diz isso tem propriedade para tal: a Associated Press é uma das agências de notícias mais antigas do mundo. Fundada em 1846, ela fornece noticiário para mais de 1,7 mil jornais e cinco mil emissoras de rádio e TV. Então, não é qualquer veículo que revela esse terrível raio X.
Segundo ainda a reportagem “a alta taxa de mortalidade no trânsito no Brasil seria quatro vezes superior à americana, resultado da fragilidade dos modelos brasileiros”. De cada cinco carros analisados no País, quatro não passariam em testes de colisão feitos por empresas independentes. E outro detalhe ainda mais interessante: enquanto nos Estados Unidos a margem de lucro para as montadoras automotivas é de meros 3%, no Brasil gira em torno de 10%.
Em resumo: as fábricas de veículos brasileiros cobram muito e oferecem pouquíssimo. É lógico que boa parte da culpa disso é dos impostos escorchantes, mas pesa junto a ganância da indústria nacional. Vamos dar um exemplo: um Gol 1.0, basicão, que não tem vidros e travas elétricos nem ar-condicionado, custa hoje em torno de 28 mil reais aqui no Brasil. Engraçado é que o mesmo carro fabricado aqui e exportado para o México, custa cerca de 13 mil reais. Isso incluindo ar, travas, vidros e uma série de outros acessórios obrigatórios. É o modelo “tipo exportação” que nos deixa clara a sensação de ficar com “a rapa” da panela.
Tempos atrás, ameaçados pela invasão dos importados, a indústria nacional jogou sujo. Fez lobby junto ao governo e, BOOM!, o IPI dos estrangeiros subiu descaradamente. Estando mais caros, o jeito foi apelar para as carrocinhas nacionais. E aí, o que houve? Subiram os preços dos automóveis brasileiros. E lançaram a campanha do “IPI reduzido” para enganar trouxas como nós.
Tá passando da hora da gente acordar. Enquanto houver consumidor para os “poisés” brasileiros, as montadoras vão deitar e rolar em cima da gente. Principalmente com a política do “compre e pague em suaves prestações com juros exorbitantes” do governo.
É uma pena, mas tenho certeza de que a reportagem do New York Times não terá o menor efeito sobre a nossa indústria. E a demonstração já veio na resposta: as montadoras declararam que os automóveis brasileiros respeitam normas de segurança vigentes no Brasil (normas que, sabemos, são bem menos exigentes que em qualquer lugar do mundo). Dizem elas ainda que o número de mortes de motoristas e passageiros é atribuído por elas à má conservação de ruas e estradas.
Então quer dizer que elas jogam no governo a culpa por tantos acidentes! Sei!
Ué, mas não foi o governo que facilitou a vida delas baixando o IPI dos nacionais e aumentando o dos importados?
Esse toma-lá-dá-cá não tá funcionando muito bem! E mais uma vez quem está “tomando”, somos nós!