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sábado, 27 abril, 2024

Arcabouço fiscal x teto de gastos: quais as diferenças entre os dois modelos e o que falta saber

Segundo o novo governo, o teto falhou em assegurar gastos considerados prioritários — como em saúde, educação e segurança — e retraiu a possibilidade de investimentos públicos. Com mudança das regras, governo pretende zerar o déficit público já no próximo ano.

A equipe econômica do governo revelou, nesta quinta-feira (30), a proposta para o novo arcabouço fiscal brasileiro. Se aprovado pelo Congresso Nacional, a nova regra vai substituir o teto de gastos — alvo de grandes críticas por parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O teto está em vigor desde 2017, e limita o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior. Segundo o novo governo, o teto falhou em assegurar gastos considerados prioritários — como em saúde, educação e segurança — e retraiu a possibilidade de investimentos públicos.

A meta com o novo arcabouço, segundo o governo, é retomar o financiamento das pastas e garantir investimento, mas sem gerar um descontrole nas contas públicas. Além disso, busca garantir um equilíbrio entre a arrecadação e os gastos nesse processo, e trabalhar para que as contas públicas voltem a ficar no azul.

Segundo economistas, apesar de as novas regras terem sido bem-vistas pelo mercado, ainda existem alguns desafios a serem endereçados.

g1 consultou especialistas para entender as perspectivas do novo plano e, principalmente, as principais diferenças entre os dois mecanismos. Nesta reportagem, estão explicados os seguintes conceitos:

  • Trava rígida x trava flexível
  • Punições x Desaceleração dos gastos
  • Como ficam os investimentos
  • O que ainda falta esclarecer?

Trava rígida x trava flexível

A principal mudança entre o teto de gastos e o novo arcabouço fiscal é a trava imposta para o crescimento das despesas públicas.

Pelo teto de gastos, por exemplo, o crescimento das despesas do governo fica limitado à inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior — independentemente de eventuais acontecimentos que possam requerer um aumento de despesas.

Isso fez com que, ao longo dos últimos anos, várias modificações precisassem ser feitas para atender gastos, em especial os imprevisíveis e emergenciais.

Pelo novo arcabouço fiscal, a despesa fica atrelada à receita do governo, trazendo uma maior flexibilidade para a gestão das contas públicas. A proposta estabelece dois limites principais para o aumento das despesas do governo:

  • Pelo primeiro limite, o crescimento máximo dos gastos públicos será de 70% do crescimento da receita primária (arrecadação do governo com impostos e transferências);
  • Com o segundo limite, o governo precisará obedecer a um intervalo fixo para o crescimento real das despesas, que vai de 0,6% a 2,5% — o que impede variações muito drásticas, ano a ano.

Veja os exemplos abaixo:

1) Se a receita do governo crescer 6%

  • Pelo primeiro limite, o crescimento dos gastos públicos poderia ser de 4,2% (70% de 6%);
  • Como ultrapassa o teto do intervalo fixo (estabelecido pelo segundo limite), no entanto, o crescimento dos gastos precisará ser de, no máximo, 2,5%.

2) Se a receita do governo crescer 3%

  • Pelo primeiro limite, o crescimento dos gastos públicos seria de 2,1% (70% de 3%);
  • Nesse caso, como o valor ainda está dentro do intervalo fixo estabelecido pelo segundo limite, ele se mantém dessa forma.

3) Se a receita do governo crescer 0,5%

  • Pelo primeiro limite, o crescimento dos gastos públicos seria de 0,35% (70% de 0,5%);
  • Como esse valor fica abaixo do piso do intervalo fixo, no entanto, o crescimento dos gastos passa a ser de 0,6%.

As novas regras também não limitam despesas como o fundo da educação básica (Fundeb) e o piso da enfermagem já aprovado pelo Congresso Nacional.

Punições x Desaceleração dos gastos

Outra alteração a ser feita pelas novas regras estará na punição imposta no caso de descontrole das contas públicas.

Apesar de o modelo do teto de gastos não tratar de punições específicas no caso de descumprimento das regras, ele traz algumas proibições como forma de tentar trazer as contas públicas de volta à conformidade.

Fica proibido:

  • Criar cargos ou reestruturar de carreiras que elevem despesa;
  • Dar reajustes salariais a servidores;
  • Criar ou elevar qualquer tipo de benefícios;
  • Contratar servidores ou fazer concursos púbicos (exceto em casos de reposição de chefia sem aumento de despesa e de cargos efetivos ou vitalícios);
  • Criar despesas obrigatórias;
  • Criar novos programas de financiamento público;
  • Dar subsídios e benefícios tributários.

Além disso, caso a política fiscal saia do controle e resulte no descumprimento da regra de ouro — que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes (caso de salários, benefícios de aposentadorias, contas de luz, entre outros) os gestores e presidente da República também podem ser enquadrados em crime de responsabilidade.

“A justificativa dada pela equipe econômica do governo foi que essas penalidades não favorecem em nada e acabam trazendo mais incertezas, podendo gerar uma desestabilização política no país”, explica a economista especialista em mercado de capitais, Ariane Benedito.

“A gente praticamente perde toda a execução da lei de responsabilidade fiscal [com o novo arcabouço fiscal], mas a nova regra traz uma flexibilidade maior. Nesse caso, acabamos à mercê do comprometimento do governo de entregar resultados e cumprir as regras para aumento das despesas”, completa.

No novo arcabouço fiscal, o texto prevê uma meta de superávit primário das contas públicas também com um sistema de bandas (intervalo) com uma tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.

Caso o resultado primário fique abaixo do piso — significando que o governo descumpriu com a meta — há um mecanismo de trava da despesa para o ano seguinte: ela passa de 70% para 50% do crescimento da receita.

Já se o cenário for mais otimista e o resultado primário do governo ficar acima do teto da meta, o excedente poderá ser utilizado para investimentos.

Como ficam os investimentos

Como dito acima, o teto de gastos não tinha qualquer reserva especial para investimentos públicos — o que já foi duramente criticado pelo governo Lula. Os valores entram dentro do conjunto de despesas que só pode ser reajustado pela inflação.

Em várias ocasiões, Lula afirmou que a regra engessava o orçamento e que tinha impossibilitado investimentos públicos adequados ao longo dos últimos anos, trazendo prejuízos para diversas áreas, como infraestrutura, moradia, educação e saúde.

Além disso, o governo argumenta que o primeiro dispositivo de corte de gastos nos governos anteriores foi o investimento público.

O arcabouço fiscal, por outro lado, estabeleceu um piso para o investimento público: o valor será aquele previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano, que está entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões, corrigidos pela inflação.

O que ainda falta esclarecer?

Passada a primeira impressão, economistas e analistas começam a trazer ponderações sobre as novas regras. Segundo o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, por exemplo, o ajuste proposto é visto como ambicioso.

“Se os resultados propostos forem alcançados, seriam um passo relevante na direção de estabilizar a dívida do governo. No entanto, ainda faltam detalhes de como eles seriam alcançados”, afirmou em nota oficial.

A expectativa é que mais detalhes sejam dados na próxima semana, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que deve encaminhar ao parlamento “medidas saneadoras” que, segundo ele, darão “consistência para o resultado previsto” no arcabouço.

Em entrevista coletiva na quinta-feira (30), Haddad chegou a afirmar que o governo não pretende criar novos tributos, nem aumentar a alíquota dos impostos existentes. Mas o ministro destacou que a equipe econômica deve recompor a arrecadação cobrando de setores que, atualmente, não são tributados.

“Nós temos que fazer quem não paga imposto, pagar. E nós temos muitos setores que estão demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidos ao longo de décadas e que não foram revistas por nenhum controle de resultado”, afirmou.

Como exemplos, o ministro citou uma possível taxação das chamadas “big techs” – grandes empresas de tecnologia — e de apostas eletrônicas. Além disso, o governo também já havia citado em ocasiões diferentes a possibilidade de cobrar tributos sobre lucros e dividendos.

“Vamos ter que enfrentar a agenda contra o patrimonialismo e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra a base fiscal do Estado brasileiro ao longo dos anos”, completou Haddad na coletiva.

Com informações de G1.

Ogg Ibrahim
Ogg Ibrahimhttp://oggibrahim.com.br
Jornalista com 34 anos de profissão, ex-repórter nacional da Rede Record, Mestre de Cerimônias, radialista e Palestrante, Produtor de vídeos e CEO na Talk Soluções em Comunicação.

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