Nessa sexta-feira que passou, mais um caso deixou os paulistanos estarrecidos com a violência nas ruas. Mais uma pessoa morreu como consequência de uma briga de trânsito. É a segunda morte pelo mesmo motivo em uma semana. E a enésima em vários anos na capital. Dessa vez, um homem foi esfaqueado por ocupantes de um caminhão que o teria fechado. Irritado, ele desceu do carro com um porrete nas mãos e levou várias facadas de dois homens que estavam com o motorista do utilitário. A mulher e a filha assistiram a tudo de dentro do veículo sem poder fazer nada. Se não tivesse aparecido um policial à paisana, que passava pelo local e deu voz de prisão aos assassinos, talvez teria sido mais um caso de violência de autor desconhecido.
No último dia 23, um enfermeiro de 25 anos foi baleado na cabeça por um motoqueiro, também por causa de um discussão no trânsito. Rafael Francesco Coccita não resistiu ao ferimento e acabou morrendo quatro dias depois. Mais sorte – se é que se pode dizer assim – teve a publicitária Jéssica Otte, 24. No ano passado ela foi agredida brutalmente, com um soco na cara, por um homem que dirigia uma camionete de luxo. Isso aconteceu porque ela demorou para sair com o carro num cruzamento com farol. Irritado, o motorista acabou batendo no carro dela e, quando ela desceu para ver o estrago, foi agredida covardemente.
Se eu for relatar os inúmeros casos de violência gratuita, consequência de brigas de trânsito, vamos levar um dia todo no relato. É uma violência descabida, cotidiana e que assusta não só pela gravidade dos casos mas também pela gratuidade. Me faz pensar que vivemos, cada vez mais, numa selva incontrolável em que seres-humanos se transformam em animais irracionais e sanguinários quando assumem o volante de seus carros. E tudo por um motivo o mais banal possível: a luta por alguns metros a mais de espaço nas tumultuadas ruas paulistanas.
Hoje mesmo, antes de escrever este artigo, me deparei com o motorista da camionete à minha frente gesticulando agressivamente na direção de uma van de serviços parada ao seu lado. Na hora percebi que se tratava de uma discussão, com xingamentos e gestos obscenos, por causa de alguma imprudência do motorista da van. A intensidade de ira em ambos era tamanha, que pensei que fosse presenciar um MMA ali, na rua.
Me pergunto: o que justifica tamanha violência e ignorância? O que leva pessoas tranquilas e serenas durante o trabalho se transformarem em bestas raivosas quando dirigem? Será que a disputa que envolve espaço e tempo (alguns segundo a menos pra chegar ao destino) é motivo suficiente para essa carnificina que estamos vendo nas ruas? É uma onda de intolerância e impaciência que me assusta, transforma motoristas em verdadeiros monstros e deveria exigir um pouco mais de atenção de estudiosos e das autoridades.
É certo que vivemos num mundo estressante. Problemas financeiros, insatisfação no trabalho, maus relacionamentos pessoais e outros infortúnios, acabam nos tirando do sério sempre. As vezes temos vontade de estrangular alguém! Mas será que tudo isso é suficiente para acender esse estopim, para justificar o descontrole? Não consigo entender e acreditar que sim!
Mas a violência e agressividade gratuita não está apenas nas ruas, no trânsito. Outro dia mesmo me contavam sobre um passageiro que “estapeou” uma atendente de companhia aérea, no aeroporto, porque seu assento não estava reservado no voo. Pesquisem no Youtube sobre “briga no aeroporto” e vocês verão inúmeros vídeos mostrando situações semelhantes e degradantes. Se pesquisarem por “briga no trânsito” então, o resultado é ainda mais assustador.
O que estamos fazendo com a nossa humanidade? É difícil acreditar que motivos de estresse corriqueiros sejam capazes de detonar essa animalidade nas pessoas. As vezes sinto como se estivesse rodeados por “zumbis”, prestes a me devorar a qualquer movimento brusco. E é o que vejo acontecer, principalmente no trânsito. Falta consciência, falta gentileza, falta cooperação. A horda de ignorantes prestes a explodir é tamanha que as vezes dá medo de sair de carro. Conheço gente que adquiriu síndrome do pânico depois de uma discussão por uma vaga de estacionamento num supermercado, onde quase foi agredida.
Não quero parecer exagerado, meus queridos leitores, mas estamos vivendo tempos difíceis. E não falo de economia nem de política. Falo de coisas mais graves, que não podem ser consertadas. Vivemos tempos em que ficaram distantes a educação, a solidariedade, a colaboração e tolerância. Tempos em que o “individual” é mais importante que o “coletivo”. Parece que as pessoas foram convocadas para uma guerra onde sobrevive quem é mais violento e forte. Vejo irmãos brigando na justiça contra irmãos por besteiras de um inventário, vejo filhos brigando com pais (e vice-versa) por motivos absolutamente banais, vejo chefes desrespeitando subordinados (a exemplo do que certas novelas dá como exemplo), idosos mal-tratados, crianças violentadas. Assisto pela TV e leio pelos jornais e internet que maridos assassinaram ex-esposas, pais mataram filhos e bandidos tatuando o número de mortes que causaram no braço.
E fico assustado, lembrando que no passado não era assim e que no futuro tudo pode ser ainda pior. E a solução não depende de um governo, de uma nação. Depende apenas de nós, do que pretendemos ser. E o que muitos pretendem, ou demonstram em suas atitudes, não me traz conforto algum.