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domingo, 6 outubro, 2024

Querem crucificar o Cristo errado!

Certo dia um colega de trabalho me contou algo assustador. Ele disse que saiu do trabalho aqui na Record, pegou sua bike e passava pela ciclovia recentemente criada em frente à emissora, quando foi duramente hostilizado por alguns funcionários da empresa que estavam na calçada fumando. Diziam eles em alto e bom tom: “É por causa desses babacas de bicicleta que perdemos nossas vagas”. Eles se referiam às vagas de estacionamento do lado oposto da rua, ocupadas agora pela nova ciclovia.

Ciclovias: ainda falta muito planejamento

A questão me levou a analisar o que está acontecendo em São Paulo. De um mês pra cá, a prefeitura começou a implantar novas ciclofaixas e ciclovias ao longo de ruas e avenidas na região central da cidade e alguns bairros. Mas da forma como está sendo feita, essa alternativa de mobilidade urbana está, muito mais, atraindo a revolta de motoristas, moradores e comerciantes das regiões afetadas do que angariando a simpatia dos ciclistas.

Em primeiro lugar há um certa falta de planejamento nessa implantação. Como ciclista de lazer que defende a medida, desde que de forma correta e gradativa, vejo que alguns trechos de ciclovia ocupam ruas erradas. Elas poderiam ter sido implantadas uma quadra abaixo ou uma acima, onde a segurança para quem pedala seria mais necessária. Com isso acabou com vagas de estacionamento, interrompeu a entrada em frente à lojas e prédios e dificultou a descida de deficientes físicos na frente de clínicas e laboratórios.

Também verifiquei mudanças bruscas de lado – da esquerda para a direita e vice-versa – que colocam os ciclistas em risco de atropelamento, sem a mínima sinalização e aviso do perigo. E também há trechos em que essas faixas terminam, sem dar nenhuma opção de caminho seguro, obrigando a quem pedala, a cruzar em meio ao trânsito rápido, sem semáforo ou faixa de pedestre por perto.

É claro que precisamos criar alternativas de mobilidade, principalmente em São Paulo, onde o trânsito está cada vez mais complicado e estagnado. Mas a administração municipal precisa entender que não basta apenas pintar o asfalto em qualquer lugar e colocar tachões como se isso bastasse para dar segurança aos pedaleiros, delimitando o espaço entre carros e bicicletas. Além disso, criar ciclofaixas sem consertar as irregularidades e os buracos ao longo delas, torna-as mais perigosas do que o fluxo de veículos ao seu redor. Em resumo: o que está sendo feito em São Paulo parece mais uma medida paliativa, feita nas coxas, do que um projeto de planejamento urbano.

De qualquer forma, os ciclistas que fazem uso da bike no seu dia-a-dia para ir e vir ao trabalho ou estudos, não podem sofrer com a ira de quem não gosta da idéia – provavelmente gente que nunca pedalou ou não tem nenhuma simpatia pelas bicicletas. Afinal nunca houve em São Paulo um grande movimento de ativismo pró-ciclovias que obrigasse a prefeitura a implantá-las. Assim como não foram os ciclistas que pediram para que as vagas de estacionamento fossem ocupadas. E tampouco, tenho certeza, algum ciclista foi chamado para participar do planejamento da sua implantação. Então, estão querendo crucificar o Cristo errado!

Já ouvi dizer que não estamos evoluídos culturalmente para usar a bicicleta no nosso ir e vir. Discordo. É só olhar para os números. Segundo a Associação Brasileira da Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Bicicletas, Peças e Acessórios (Abradibi), o mercado de bicicletas cresceu 300% em cinco anos, superando massivamente a venda de qualquer outro segmento de veículos. É claro que boa parte dos novos ciclistas, ainda, é composta de quem pedala por lazer. Mas a fatia de quem a usa como transporte cresce a cada dia.

São Paulo devia se espelhar em algumas cidades que fizeram das ciclovias seus maiores e mais importantes projetos. Na Dinamarca, por exemplo, a capital Copenhagen, é umas das que tem mais programas urbanos a favor da bicicleta no mundo. Cerca de 32% dos trabalhadores vão de bike até o trabalho. Montreal, no Canadá, é a primeira da América do Norte a adotar um sistema público de bicicleta, o BIXI (junção das palavras bicicleta e táxi) que consiste em um programa de aluguel de bikes. A cidade investiu US$ 134 milhões para renovar ciclovias e construir um ambiente ainda mais favorável aos ciclistas. Para citar uma cidade do chamado “terceiro mundo”, em Bogotá na Colômbia, apenas 13% dos habitantes possuem carro o que favorece o uso da bike. Uma vez por semana, mais de 70 km de vias públicas são fechadas para o tráfego de automóveis, para que ciclistas, skatistas e corredores possam transitar pelas ruas com maior segurança. E até aqui mesmo, no Brasil, temos bons exemplos. Conhecida pelo bom planejamento urbano, Curitiba (PR) também estimula o uso de bicicletas como transporte há mais de 40 anos. A presença de ciclovias na cidade pode ser claramente vista em qualquer canto. Além da infraestrutura, existe uma comunidade ativista pró-bicicleta bem atuante, com o intuito de promover o uso da bike como alternativa ao congestionamento de carros.

Bicicletas-Taxi: alternativa de mobilidade no Canadá.

Uma coisa que é preciso entender é que as ciclovias não devem ser construídas para atender a uma demanda (que ainda é baixa), mas sim para “convidar” a população a usar mais a bicicleta no dia-a-dia. Alguém, por acaso, aderiu ao uso do cinco de segurança de imediato? Não! Demorou anos para que passássemos a usá-lo de forma consciente. E assim vai ser com as ciclovias e ciclofaixas. Daqui pra frente o que será necessário é uma campanha de conscientização, de melhor convivência no trânsito para mostrar que é possível sim a perfeita harmonia nas ruas entre carros, bicicletas, motos e pedestres. Não será de um dia para o outro que veremos as ciclofaixas lotadas. Isso demanda tempo, adaptação, correção de erros e incentivo. Sim, estamos perdendo vagas de estacionamento na cidade, mas não seria melhor pensar em mudar nossa alternativa de transporte em vez de criticar quem faz uso das ciclovias?

Apesar de (ainda) não usar a bike para vir ao trabalho, apenas para o lazer, sou defensor das faixas exclusivas desde que implantadas com planejamento e seriedade, sem medidas eleitoreiras. E para vocês que sempre criticam os ciclistas, as vezes agressivamente, pensem no seguinte: não são com eles que vocês disputam vagas de estacionamento nas ruas, não são eles que poluem o seu ar com fumaça ou seus ouvidos com buzinas, não são deles que vocês levam fechadas no trânsito e muito menos são eles que causam os congestionamentos. Se forem culpar alguém, culpem realmente quem faz das suas vidas um inferno toda vez que você vai para o trabalho ou volta pra casa!

Ogg Ibrahim
Ogg Ibrahimhttp://oggibrahim.com.br
Jornalista com 34 anos de profissão, ex-repórter nacional da Rede Record, Mestre de Cerimônias, radialista e Palestrante, Produtor de vídeos e CEO na Talk Soluções em Comunicação.

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