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domingo, 6 outubro, 2024

Faixas da discórdia

Falta lógica: faixas de ônibus quase livres e carros espremidos em menos espaço e mais congestionamento.

Em julho deste ano, após a onda de manifestações pela queda do preço da tarifa, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, tratou de colocar em prática, mais que rapidamente (temendo novo clamor popular), a implantação de novas faixas de ônibus. Fez o que considera um “avanço” e bateu uma meta que era apenas para 2016 – colocar 170 km de corredores de ônibus pra funcionar (até o final do ano serão 300 km). Alguns disseram “Nossa que maravilha, que prefeito eficiente!”. E temos de admitir que os corredores e faixas de ônibus são, realmente, uma boa solução para a mobilidade urbana de uma cidade como São Paulo. Mas há vários poréns nessa pressa de Haddad que me causam certo temor e arrepio.

Vamos aos fatos: uma pesquisa feita com 805 usuários apontou que 93% deles é a favor dos corredores. Olhando o número friamente parece algo positivo. Mas penso se isso é realmente relevante diante do universo de cerca de 4 milhões de usuários por dia. O número de entrevistados representa menos que 0,021%. Ou seja, é como se apenas UM em cada 5.300 usuários aprovasse a faixa. Tudo bem que a pesquisa é feita por amostragem, mas tenho minhas dúvidas em relação ao real resultado. E se a pergunta feita fosse: “você acha que a faixa de ônibus resolveu o problema do transporte?“. Com certeza esse resultado seria muito negativo. O que se ouve nos pontos de ônibus é que a demora e a superlotação continuam e o número de linhas e coletivos não aumentou.

Outra coisa: os “gênios” do projeto também afirmam que a velocidade média dos ônibus nos corredores cresceu 48%. Uau!! Poderia ser incrível se eles andassem a 80 km/h. Mas se arrastando a meros 14,5 km/h (cinco vezes menos que uma zebra assustada), subir para 20 km/h não fará muita diferença. Principalmente porque essa medição foi feita apenas em determinados trechos e não em todo o trajeto.

Agora, vamos levar em consideração o nó no trânsito da capital que as novas faixas e corredores provocaram e a ira que isso tem causado nos motoristas. Se já não se andava antes em São Paulo, estamos quase andando para trás agora. As cerca de duas horas e quinze que passamos, em média, no trânsito todos os dias, com certeza subiram, consideravelmente, provocando novas quebras de recorde de lentidão como vimos na semana passada.

As novas faixas e corredores, segundo especialistas em engenharia de trânsito, só são viáveis se implantados com planejamento e outras medidas que complementem o projeto. Por exemplo, a colocação de mais linhas e ônibus em circulação. E não é isso que aconteceu junto com o que Haddad fez. Conversei com um especialista em transporte coletivo que me disse o seguinte: “Para que sejam colocados mais ônibus em circulação é necessário que haja um aumento  no público usuário. E não é isso que deve acontecer num curto prazo. Ninguém vai deixar de usar o carro imediatamente e passar a usar o ônibus. Isso demora. O que temos hoje são ônibus lotados e com mais coletivos haveria apenas uma melhor distribuição desse público. Só que mais ônibus nas ruas significa mais custos para a empresa. E sem que haja aumento de usuários, não compensa ampliar as linhas”.

Em resumo: o projeto populista da administração do PT, apenas para abrandar o clamor das manifestações, tende a ir por água abaixo por ter sido feito às pressas e sem estar baseado em dados concretos. Quem entende do assunto afirma ainda que a coisa deveria ter sido feita de maneira paulatina – cria-se um corredor aqui, espera-se os reflexos no trânsito, avalia-se as consequência para quem não usa o ônibus e aí sim, um, dois, três anos depois, cria-se outra faixa acolá. E não é o que vem acontecendo. Parece que o afogadilho atende apenas a interesses eleitoreiros já que 2014 estão aí com novas eleições.

Sou a favor das faixas e corredores de ônibus e faria uso do transporte coletivo, tranquilamente, se houvesse qualidade, se não houvesse superlotação e se ele realmente andasse mais livre pelas ruas. Não é o que acontece! E assim como eu, exatamente por causa disso, milhões de pessoas na cidade não deixarão o conforto dos seus carros para usar um serviço que vai continuar precário – apenas 5km/h mais rápido. Temos então de nos conformar com o trânsito, cada vez pior, até que nossos governantes decidam adotar uma medida verdadeiramente séria, objetiva, planejada e livre de interesses partidários. Essa que está ai é apenas um tapinha nas costas de quem vai demorar a perceber que foi enganado.

Ogg Ibrahim
Ogg Ibrahimhttp://oggibrahim.com.br
Jornalista com 34 anos de profissão, ex-repórter nacional da Rede Record, Mestre de Cerimônias, radialista e Palestrante, Produtor de vídeos e CEO na Talk Soluções em Comunicação.

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