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quarta-feira, 8 maio, 2024

O samba-enredo que desandou

 

Ah, o Carnaval! Que harmonia, que tranquilidade!

Meu Carnaval está sendo dos mais tranquilos. Assim como meu Natal e Réveillon, a folia acontece em meio a trocas de fraldas e mamadas. O samba-enredo foi substituído pelo chorinho (do bebê), e o ronco da cuíca pelo meu, cansado das noites mal dormidas. Na verdade, muito bem-dormidas, porque, com esse anjo que temos em casa, é botar a cabeça no travesseiro e dormir de felicidade, mesmo que pouco.

Mas confesso que nunca gostei muito de Carnaval. Aliás, gostei até meus vinte e poucos anos quando ainda zarpava com a turma para alguma praia ou passava as noites pulando feito pulga nos salões do Clube Renascença, em Cajuru, cidade onde cresci no interior de São Paulo. E naquela época, quase 30 anos atrás, era tudo diferente. O axé ainda não existia pelo Sudeste do país, graças a Deus, e o que reinava por aqui eram as marchinhas, os sambas de raiz e alguns sambas-enredos dos quais até hoje cantarolamos seus refrões. Bem diferente dos atuais que já esqueceremos no próximo Carnaval.

O Carnaval da minha época não tinha drogas. Bom, até tinha, mas não passava de cigarrinhos de maconha que muitos usavam (eu nunca curti, sério) nos corredores atrás do clube. Mas na minha turma não tinha isso. Outras drogas pesadas como cocaína, por exemplo, combustível da folia de hoje junto com o crack, até poderiam existir, mas fazia parte de uma realidade muito distante da nossa. Acho que eu nem sabia o que era. Crack então, nem existia. Agora, uma coisa que a gente curtia muito era lança-perfume. Que, perto de tudo isso que existe hoje, era uma inocente brincadeira, apesar de proibido. Mas o nosso era uma coisa ainda mais inocente: a gente usava um desodorante muito vagabundo na época chamado Rastro. Era a nossa viagem etérea (risos)!

Hoje não vejo o Carnaval como uma coisa saudável, por mais que muitos insistam nessa mentira. Tanto que vem perdendo audiência até na televisão. Basta ver os números do Ibope do último domingo – a transmissão das escolas de samba do Rio pela Globo perdeu feio para o Domingo Espetacular. No horário de confronto, entre as 21h e as 23h32, a vitória foi por 14,5 pontos a 12,7. Mas também não quero ser careta a ponto de discriminar a folia do rei Momo. Apenas acho que a maioria não pensa mais na festa como uma forma de lazer e de diversão. Acredito que o objetivo é muito mais sombrio. O consumo de drogas e álcool em excesso são o ponto forte hoje. O sexo casual e irresponsável também. Basta ver as reportagens sobre isso que, geralmente, são veiculadas nessa época: “Número de mortes nas estradas aumenta no carnaval”, “Salvador tem a folia mais violenta da década”, “Cresce o volume de assaltos”, “Brigas e violência marcam a festa no nordeste do país”, “Casos de HIV crescem”, etc.

Em resumo, carnaval virou sinônimo de bagunça, criminalidade e violência. Eu não consigo descobrir onde, em qual folia, seja na rua ou em salão, não se tem notícias de pancadaria, quebradeira, bebedeira e afins. Em que lugar a polícia não precisou agir de forma enérgica e até violenta para conter os mais eufóricos? Em que estrada não houve um aumento nos índices de acidentes? Respostas difíceis.

Tá bom, agora estou sendo careta por não gostar de Carnaval e sei que muitos de vocês vão escrever comentários me xingando. Mas tá, careta ou não, falei alguma besteira?

Republiquei um texto do Danilo Gentili no meu Facebook que assinei embaixo. Diz o seguinte:

“Queria ser presidente por um dia. Faria uma lei que anulasse o carnaval em prol da nação. Argumentos lógicos não me faltam: diminuição de acidentes, menor índice de HIV positivo, melhorar a imagem do país no exterior, cortar semana ociosa para aumentarmos a nossa renda, valorizar a imagem da mulher brasileira, investir os dois bilhões gastos por ano no carnaval em educação, diminuir o consumo de drogas nesse período. Acho que não teria o apoio popular pra isso. Já tivemos presidentes que afundaaram a educação, a habitação, a reforma agrária, a inflação, a renda familiar, os empregos e até mesmo presidente que roubou nossa poupança. Ninguém reclamou. Porém, se eu acabasse com o carnaval, certamente me matariam. Mesmo sabendo o risco que corro, aceitaria essa missão suicida, afinal é melhor morrer no país do carnaval do que viver no carnaval desse país.”

Talvez Gentili tenha usado mais de humor do que de seriedade no comentário, mas concordo com ele em 90% do que disse. Só acho que não precisamos acabar com o Carnaval e sim trazer de volta aquele romantismo de antigamente que fazia da festa uma das mais bonitas do mundo. Duas coisas sempre fizeram a imagem do Brasil brilhar lá fora: o Carnaval e o futebol. Hoje já não é bem assim. As escolas de samba não são nada mais que tanques para lavagem de dinheiro da corrupção, da contravenção e das drogas. A escolha da escola campeã mais parece uma guerra pelo poder na América Central e as micaretas pelo país afora, tirando o charme das Ivetes e Cláudias, são o que fazem as cidades onde acontecem ficar sem verba para educação, saúde e segurança. Os desfiles se tornaram nada mais que ações de publicidade e os temas variam de acordo com a contribuição dada.

Seria muito bom que a folia do Carnaval ficasse apenas nestes quatro dias. Mas, infelizmente, é uma folia que dura o ano todo. Folia com nosso dinheiro, com nossos costumes, com nossos valores. E as consequências vão longe num samba-enredo desafinado, que atravessa a moral e causa uma imagem cada vez menos gloriosa lá fora. Por isso o termo virou sinônimo de coisa negativa: afinal, é ou não é verdade que muita coisa neste país está o maior Carnaval?

Bom resto de folia a todos!

Ogg Ibrahim
Ogg Ibrahimhttp://oggibrahim.com.br
Jornalista com 34 anos de profissão, ex-repórter nacional da Rede Record, Mestre de Cerimônias, radialista e Palestrante, Produtor de vídeos e CEO na Talk Soluções em Comunicação.

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13 COMENTÁRIOS

  1. Bom dia!! Gostei muito de algumas reflexões que postou, concordo com várias e acho que o carnaval no nosso pais está sim falindo (eu espero que continue). Quanto a ” voltar a ter aquele carnaval da sua infância”, acho difícil, pq hj não se ‘cresce” mais como se “crescia” na sua geração, hj, os valores, a inocência e as necessidades são diferentes, por tudo que estamos inserido nesse mundo. Tenho experimentado faz 5 anos um “carnaval” que faz diferença na minha vida e de quem adere a ele não só nos 4 dias de “folia” mas nos 365 dias do ano. Uma prévia que estou falando vc pode conferir no site:
    http://www.ctadoradores.org/site/index.php?option=com_content&view=article&id=188
    http://www.ctadoradores.org/site/index.php?option=com_content&view=article&id=185

    Deus te abençoe!
    Elen

  2. Não tiraria nenhuma palavra que foi dita neste texto, concordo com tudo e acho que muitos usam o carnavall para fazer maldades por ai….. Estou contigo Oggi Brahim

  3. Só queria assinar embaixo do teu texto, concordo com cada vírgula. Acho um absurdo por exemplo a propaganda e distribuição de preservativos no carnaval, não entra em minha cabeça essa ligação de sexo com o carnaval. Moro em Portugal, já falei com vc no chat do R7. Vejo aqui como a mulher brasileira é mal vista, meu Deus, um absurdo revoltante, já sofri na pele. Isso fora as drogas, a violência q essa festa tão prolongada gera. Bom era isso. Um abraço, sou tua fã desde Campo Grande.

  4. Parabéns pelo seu comentário, é difícil ver hoje em dia um homem público, principalmente jornalista e com a sua postura. Com bons argumentos e não apenas da turma do contra por natureza. Como disse antes, parabéns.

  5. Enfim alguem que tem coragem de mostrar um pouco da realidade do Brasil em poucas palavras.O carnaval nao é mais nada que bebedeiras e mulheres peladas. Vivo na França e cada vez que ouço um frances falar do carnaval é das mulhres nuas e de sexo ”volonté”.

  6. Hum ok! Vi este texto do Danilo Gentili.

    Agora quer coisa pior que brasileiro celebrando Halloween? Celebrando Rave? É SIMPLESMENTE RIDICULO PQ ISSO NAO É CULTURA DO BRASIL!!!!

    A cisma com carnaval é só pq é FESTA POPULAR!

    Da mesma maneira que a turma q vai pro carnaval poderia se juntar pra protestar, quem vai em grandes shows, no teatro, em shoppings, em raves, em parques tematicos, quem vai na praia em dias de mto calor, TAMBEM PODEM SE JUNTAR E PROTESTAR. E PORQUE VC NAO FALA DESSA TURMA???

    Ah deixem o povo se divertir. Ao inves de irem ao teatro, shoppings e cinema, vcs deviam ir pra rua protestar…. mas antes disso o brasileiro tem q ser mais HONESTO e querer se DAR BEM SEMPRE!!!

    Deve ser por nao conseguir/querer parar de se dar bem sempre (é uma febre aqui isso!), que os protestos nao colam! Portanto, deixem o povo em PAZ!!!!

  7. Ia tudo muito bem durante a leitura, concordando plenamente com você. O texto do Danilo republicado por você, perfeito. Só não gostei quando você o atacou. O Danilo Gentili pode ser brincalhão – e é, afinal é um humorista – mas é uma pessoa de princípios, talvez a razão principal do sucesso que está fazendo com o seu programa.

  8. Olá Ibrahim, não pude deixar de concordar com cada vírgula que voce escreveu, afinal, embora alguns não queiram enchergar, essa é a dura realidade do carnaval hoje. Então, faço minha suas palavras, é exatamente desta forma que eu vejo, só não sei expô-la com tanta classe, PARABÈNS!!!!!!!!

  9. Olá Ibrahim, não pude deixar de concordar com cada vírgula que voce escreveu afinal, é exatamente isso que eu penso sobre o carnaval, portanto aproveitando sua clareza e classe sobre o assunto, faço minha suas palavras PARABÈNS!!!!!

  10. Seria interessante que o Danilo Gentilli lesse o estudo publicado na
    Rev. Assoc. Med. Bras. vol.56 no.4 São Paulo 2010 sobre o aumento de DST no Carnaval. Quando piadistas começam a querer usar argumentos de autoridade como se fossem verdadeiros filósofos já dá para imaginar o que vem pela frente. Nosso País precisa de mais estudo, conhecimento e cultura e não de preconceitos tolos e infundados.

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