Não tenho mais tempo a perder com besteiras. Estou exatamente na metade do tempo de vida que espero ter. Isso se eu conseguir chegar aos 94 anos de idade. Até lá, sei que não vou conseguir fazer o que consegui nos primeiros 47 anos. Claro, por uma questão de vitalidade e sabedoria. Muito do que fiz e construí, de certo ou errado, estava baseado na minha jovialidade, impetuosidade e na inconsequência dos meus atos cometidos sem a sabedoria que tenho hoje. Se me arrependo de algo? Claro que sim! De algumas coisas que não pude ou tive medo de fazer e de outras que fiz por pura imaturidade. Mas enganam-se aqueles que dizem que fariam tudo novamente. Eu não. Eu pularia alguns momentos passados. Momentos em que magoei pessoas, machuquei minha própria alma e desacreditei nos conselhos de amigos que queriam evitar o pior. Meu erro foi confiar naqueles que diziam “vai em frente, você pode!”. Sim, eu até poderia, mas nem sonhava com as consequências. E depois vi que aqueles que me incentivavam desapareceram ao ver a catástrofe provocada por seus conselhos. Com isso aprendi a dar ouvido aos meus instintos. Pelo menos não poderei jamais culpar alguém pelos meus erros.
Se as previsões se concretizarem, ainda tenho 47 anos pela frente. Mais ou menos, quem sabe. Só que terei de trilhá-lhos com mais tolerância, mais paciência, coisas que a gente não aprende a ter quando jovem. Também usarei de menos velocidade. Afinal pra que pressa pra chegar ao meu fim? Não quero fazer tudo rápido demais para acumular pontos e quantidade. Quero que as coisas sejam mais lentas para serem saboreadas com mais prazer. Como aquele prato que você degusta, tentando adivinhar cada tempero usado nele. A partir de agora quero me estressar menos, me cansar menos, brigar menos. Chorar, abraçar, beijar e amar mais. Já não quero construir patrimônio, apenas manter o que consegui como troféu das minhas conquistas. Uma vida só é confortável se você tem e se aproveita daquilo que realmente necessita. O que excede isso foi apenas para deixar alguém mais rico e você menos rico. Ou mais pobre, dependendo da referência.
Nessa metade da vida que me falta, não quero mais brigar por pontos de vista ou por razões que passei a outra metade defendendo e descobri que eram apenas as “minhas razões”, apenas os “meus pontos de vista”. E causei conflitos demais por querer defendê-los com unhas e dentes. Hoje apenas os discuto, sem os impor. Afinal quem é que sabe o que realmente é certo ou errado? Nessa metade de vida que me resta quero ser muito mais feliz do que ter razão. Afinal, nós vivemos, amealhamos, conquistamos e brigamos por tanta coisa para que? Não é para conseguirmos se felizes? Então vamos pular essas etapas chatas.
Nessa outra metade da minha vida quero prestar mais atenção nas estradas por que passar, olhar mais atentamente seus coloridos, seus aromas e nuances. Detalhes que perdi durante a pressa da primeira etapa. Não quero mais perder tempo com coisas que não me tragam prazer. Como ficar respondendo a ataques ou críticas nas redes sociais. Isso não vai mudar o que as pessoas pensam de mim mesmo! Também quero arrancar a buzina do meu carro porque descobri que ela não faz o trânsito andar. Ela faz a irritabilidade crescer. E vou continuar sendo gentil por mais que as pessoas não retribuam tal gesto. A minha gentileza pode fazer bem pros outros mas faz muito mais por mim mesmo.
Quero mudar várias coisas nessa outra metade da vida. Não para ganhar mais dinheiro, mais prestígio, mais status ou mais poder. Apenas para poder ganhar mais tempo para coisas que sacrifiquei na metade anterior: a paz, o prazer das coisas simples, as amizades sinceras, os amores verdadeiros e incondicionais, a beleza da honestidade e a pureza da simplicidade. Mais 47 anos, aí vou eu!
Inspirado no texto “O valioso tempo dos maduros” (ora atribuído a Mário de Andrade, ora a Mário Coelho Pinto de Andrade, escritor angolano), compartilhado por uma amiga no Facebook.