Mais um ano termina, outro começa e continuo ouvindo as mesmas ladainhas. São promessas de todo o tipo: vou emagrecer, parar de fumar, voltar pra academia, ser mais solidário, ser menos egoísta, trabalhar menos, trabalhar mais, me dedicar mais a isso ou aquilo, blá, blá blá. Jamais questiono o que as pessoas desejam para si próprias mas me indigna sempre que elas esperem uma “mudança de era” pra fazer isso. Parece que basta o badalar da meia noite no dia 31 de dezembro para que suas vidas se transformem. Existe sempre a falsa impressão de que “tudo vai mudar”, “um novo tempo chegou”. Tudo muito bonito mas para mim não passa de mística barata.
Vejam só: na época do Natal parece que todo mundo se reveste do mais alto altruísmo e sai por ai distribuindo cestas com produtos natalinos a quem encontrar na rua em situação de necessidade. E se sente bem com isso. Ótimo! Os mais necessitados realmente precisam dessa ajuda e esse tipo de ação, de uma certa forma, alivia a alma de quem a pratica. Mas porque fazer isso apenas agora? O problema é que muita gente acredita que basta uma simples atitude solidária para compensar um ano inteiro de boa vida. É a forma de “gratidão passageira” que adota-se quando a época exige mais compaixão, mais amor ao próximo. E não deveria ser assim!
Sempre vejo a passagem de ano como um dia qualquer. Tanto que não busco participar de grandes comemorações, festas de arromba ou eventos inesquecíveis. Para mim é um dia comum, como dormir hoje, dia 05 de janeiro e acordar amanhã, dia 6. Nada muda, a vida segue seu ritmo e não preciso elaborar listas do que fazer a partir de agora. Por isso atitudes de solidariedade, de altruísmo, de amor ao próximo ou a si mesmo não devem exigir uma época específica para serem colocadas em prática. Porque não fazer as mudanças desejadas no dia 20 de janeiro, 05 de fevereiro, 12 de julho ou 03 de setembro? Esses dias são tão comuns como qualquer outro – não são feriados ou dias santificados. Será que esperar uma data apropriada para essa prática as torna mais verdadeiras em termos de sentimento? É óbvio que não!
O que preenche o ser humano é a cordialidade do dia-a-dia, não a sazonal, sermos gentis e gratos todos os dias e não apenas em uma data certa, não esperar a Páscoa para refletir sobre nossa religiosidade ou o dia 07 de setembro para exercer civilidade e cidadania. Não há a necessidade de esperar pelo Dia da Árvore (21 de setembro) para plantar uma semente ou o Dia da Criança para presentear um órfão. Dispensável também é celebrar o amor apenas no Dia dos Namorados, ou abraçar nossos pais e mães na data reservada para eles. Muita gente não percebe mas muitas dessas datas foram criadas apenas para fazer o comércio vender mais presentes, panetones, flores, ovos de chocolate, jóias e, principalmente, ilusões! O real sentimento que elas traduzem, na verdade, se perde em meio a euforia capitalista que as cerca.
Por isso tudo que disse acima, acredito que o exercício de humanidade deva ser diário, permanente e atemporal. Essa sim é a melhor forma de agradecimento por tudo aquilo que recebemos durante o ano todo. De outra forma – da mais usual, como vemos hoje – a satisfação é efêmera, dura muito pouco e aí acabamos na círculo vicioso da vida que é fazer o bem toda vez que as coisas vão mal. E só nesses momentos!
Os atos de bondade não devem ser como as idas ao médico em que só o fazemos quando é extremamente necessário. Devem ser perenes. Não devemos esperar uma simples virada de data ou o suposto recomeço de um novo tempo para fazermos aquilo que deveríamos ter feito todos os dias da nossa existência. É desnecessário esperar uma medida cronológica para tomar decisões e fazermos aquilo que deve ser feito e, muito menos, esperar sentado que essas supostas transformações aconteçam. As mudanças só ocorrem em nossas vidas quando as buscamos, elas não partem de nenhum lugar que não seja de dentro de nós mesmos.
Assim, quero aproveitar essa reflexão para desejar a todos uma “Feliz Vida Longa!”, porque desejar “Feliz Ano Novo” ou “Feliz 2015” é querer que um ano apenas seja bom pra vocês! E eu desejo mais que isso. Desejo que vocês meçam o passar do tempo em sorrisos registrados, em abraços conseguidos, em olhares apaixonados… Que o relógio de cada um não marque horas, minutos e segundos, mas sim batimentos cardíacos que significam vida quando normais e felicidade quando acelerados. Que o calendário passe a contar os dias através do número de vezes que ouvimos um “eu te amo” e quando o despertador tocar, uma voz suave nos diga “parabéns, você tem mais um dia feliz pela frente!”.
Doe aquilo que acredita que não pode e receberá o que nem imagina que mereça!